sábado, 28 de novembro de 2009

Florbela Espanca




















Contemporânea dos dois maiores vultos do modernismo português, Florbela Espanca, filha de uma relação extramatrimonial, nascia e morria a oito de Dezembro. Entre Vila Viçosa e Matosinhos decorriam apenas, mas exactamente, trinta e seis anos. Fernando Pessoa tinha então seis anos e Mário Sá-Carneiro quatro. O primeiro viveria mais onze, o segundo menos dez. Distam-lhe destes a obra e o percurso, mas não o tempo.


(…)

Ó meu País de sonho e ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!


O desalento nacional com o Ultimatum inglês, a crescente oposição ao regime monárquico, o regicídio, a implantação da República e suas subsequentes fragilidades trazem à sociedade civil confusão, greves e violência.
A primeira Guerra Mundial eclode e com ela a descrença no regime, depois dos resultados catastróficos para o país. Ao desejo de acalmia responderá o General Gomes da Costa e à política de reedificação do Estado, António de Oliveira Salazar, em 1933. Havia três anos que Florbela “se desligara” da vida.

(…)

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera… quebra-me o encanto!

No meio cultural era a Renascença Portuguesa que no Porto liderava Teixeira de Pascoaes. Porém, não tardou que a Águia, também de Guerra Junqueiro, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e Raul Proença, voasse até Lisboa. Uma vez na capital troca de asas por movimentos outros: o Modernista, em Orpheu, de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros e o racionalista de intervenção social, em Seara Nova, de António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão.
À indiferença destes, porém, excepção seja feita a Raul Proença, cuja amizade resulta em algumas publicações na Seara Nova e a quem dedica o soneto “Prince Charmant…”

(…)

E nunca O encontrei…Prince Charmant…
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virá, talvez, nas névoas da manhã!

Em toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…
- Nunca se encontra Aquele que se espera!...

Mas, afinal, a sua incessante procura tinha nascido em vão. Casa em 1913, 1921 e 1925, contudo, os seus leais confidentes acabam por ser o pai e o irmão, Apeles. A morte deste, em 1927, acelera a convergência pois, “Nesta negra cisterna em que me afundo… / Grito o teu nome numa sede estranha…”
Aos 25 anos publica o Livro de Mágoas e aos 27 o Livro de Soror Saudade. Charneca em Flor, dos seus 34 anos, resulta, postumamente, da iniciativa de Guido Battelli. São exemplo de outras a este título as Cartas de Florbela Espanca, também por Guido Battelli (1930); Juvenília (1930); As Marcas do Destino (1931); Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949); Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título (1981); o livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro (1982)…

(…)

Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!

08.12.1894 - 08.12.1930
             Florbela



Bibliografia:
- Espanca, Florbela; Sonetos, Moderna Editorial Lavores, sl, 2001;
- Bragança, António; Lições de Literatura Portuguesa, Imprensa Portuguesa, Porto, 1984.

domingo, 22 de novembro de 2009

As palavras
















São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


Eugénio de Andrade
Fotografia: Maremfrente

Fragmento(s)
















Maremfrente. 17.11.09.

sábado, 21 de novembro de 2009

O que não soube




















O que não soube

Que nenhum astro pousava sobre o olhar atento da sua vastidão
Que nenhuma vela em nenhum mastro enchia o vento
Que nenhuma distância trazia uma asa, media a exactidão…



Maremfrente, 17.11.09.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Era uma vez...





















Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde. Em roda da casa havia um jardim de areia onde cresciam lírios brancos e uma planta que dava flores brancas, amarelas e rochas.
Nessa casa morava um rapazito que passava os dias a brincar na praia.
Era uma praia muito grande e quase deserta onde havia rochedos maravilhosos. Mas durante a maré alta os rochedos estavam cobertos de água. Só se viam as ondas que vinham crescendo do longe até quebrarem na areia com um barulho de palmas. Mas na maré vazia as rochas apareciam cobertas de limos, de búzios, de anémonas, de lapas, de algas e ouriços. Havia possas de água, rios, caminhos, grutas, arcos, cascatas. Havia pedras de todas as cores e feitios, pequeninas e macias, polidas pelas ondas. E a água do mar era transparente e fria.




Sophia de Mello Breyner, A Menina do Mar.