segunda-feira, 29 de março de 2010

Entre margens

A neve pôs uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo de animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as acções do mundo.

Alberto Caeiro, in Poemas Inconjuntos

MAS da letargia a promessa
Quer durmamos ou tão só esqueçamos
Nasce do olhar e dos ramos
A primavera começa acordamos

Fotografia e texto: Maremfrente.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O relógio


















Pára-me um tempo por dentro
Passa-me um tempo por fora.

O tempo que foi constante
No meu contratempo estar
Passa-me agora adiante
Como se fosse parar.
Por cada relógio certo
No tempo que sou agora
Há um tempo descoberto
No tempo que se demora.

Fica-me o tempo por dentro
Passa-me o tempo por fora.


Ary dos Santos

terça-feira, 9 de março de 2010

quinta-feira, 4 de março de 2010

O RIO...

O RIO, SEM QUE EU QUEIRA, continua.
Espelha-se, fora de eu ser, a lua
Nas águas do meu ser independentes…
Meus pensamentos, sóbrios ou doentes
Nunca saem pra fora do meu ser.
No barco ao pé da margem, ao mover
O remador os remos, fica tudo….
A noite é clara, o coração é mudo
E a palavra que eu vou dizer, e fora,
A ser dita, a noção na alma da hora,
Passa, como um murmúrio vão do vento…
E eu, só na noite com meu pensamento
Não me distingo do que me rodeia…
E então é só real a lua cheia…


Fernando Pessoa, 30-01-1919.
Fotografia: Maremfrente.