quinta-feira, 29 de março de 2007



“Esta gente que busca outro hemisfério”
Camões – “Os Lusíadas”




A conclusão da travessia

LISBOA, 5, ás 15.40 – Gago Coutinho e Sacadura Cabral largaram no novo hidro-avião, ás 9 horas da manhã, da Ilha Fernando de Noronha para Pernambuco, onde chegaram num voo de quatro horas. Completando assim a travessia do Atlântico Sul.



Ressurreição

Tu voltas a luctar, alma desperta
Do sonho que dormiste longo e fundo:
Outróra avassalaste o mar e o mundo,
Hoje buscas do ceu a estrada incerta,

Tu partiste sonhando a descoberta
Das altas regiões do azul profundo
O teu velho heroísmo tão fecundo
Mostrou-te do caminho a porta aberta.

Navegando no espaço proceloso,
Como ao dobrar o Cabo Tormentoso
Rasgaste a virgindade, o nunca-visto

Caminho, que jamais ninguem trilhou…
E foi num sonho alado que voou
Da terra para os ceus a Cruz de Cristo!

José Botelho Riley.



Lisboa – Brazil

“Por ares nunca dantes navegados”,
Como águias da sciência e da bravura,
Alaram-se Coutinho e Sacadura,
Com rumo a Santa Cruz, em vôos rasgados…

E, nesses vôos, a Pátria a tal altura
Os dois heróis alçaram arrojados,
Que os astros interrogam espantados:
- Que estrela é esta que entre nós fulgura?

Portugal é o mesmo, sempre e ainda,
Que o génio da aventura não se finda
Na Raça de Camões, que não tem par…

Só por nós, Portugueses, foi ao certo
O Brasil duas vezes descoberto,
- Que glória! - pelo Mar e pelo Ar!

M. A. d’Amaral



O “raid” Lisboa - Rio de Janeiro

Fora a 30 de Março de 1922, pela manhã, que o hidroavião «Luzitânia» de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, um Fairey 400, dera início, a partir do Tejo, à primeira travessia do Atlântico Sul entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Uma distância de 7.791 Kms, dividida por várias etapas e alguns percalços.
Sobre a iniciativa portuguesa e a primeira etapa, Lisboa – Las Palmas nas ilhas Canárias, concluída pelas quinze horas do dia da partida[1], o El Liberal, jornal espanhol, referia: “Passou o avião português. A cidade, que conhece poucas coisas portuguesas, quedou-se um tanto absorta. O avião cruzava sobre as casas e sobre o mar, com uma serenidade de «yankee» ou uma genial audácia de francês. E o cidadão insular, acostumado a ouvir as comicas anedotas que se contam dos portugueses, não podia compreender que Portugal se atrevesse a fazer coisas tão sérias. (...) Portugal tem para nós um amável segredo de simpatia. Povo doloroso, o único que vê pôr-se o sol, segundo Unamuno - enche a história intelectual e lírica do mundo com esplendidas figuras.” (...) O avião passou como um aviso de cultura e de curiosidade humanas. Os velhos navegantes de ontem renasciam no alento dos de hoje, que cortavam o ar azul, seguros e alegres. Como os primitivos descobridores, eles arribarão ás praias americanas, que conquistaram e foram suas um dia.”[2]
Erguer-se-ia das cinzas de novo, depois da terra e do mar, um povo? Logo mais, da França, Mr. Ernest Archdeacon, homem ligado à história da aviação daquele país, quando os heróis portugueses atingissem os Rochedos de S. Paulo, mostrar-se-ia maravilhado pela precisão com que os mesmos haviam sido determinados sem que a telegrafia sem fios tivesse sido utilizada.[3]
Porém, era ainda a manhã de cinco de Abril. Dela partiria o pequeno e frágil hidroavião e a audácia dos “novos” conquistadores. Cabo Verde depois, pelas dezanove horas, tornava-se, sem contrariedades, mais um destino conseguido.[4]
Na ordem do dia continuava portuguesa a notícia que no ar do Atlântico Sul, etapa sobre etapa, se erguia fitando o futuro: Cabo Verde – Ilha Fernão de Noronha. Era a terceira etapa do percurso, aquela em que, por vezes, inevitavelmente, divide consigo a sinuosidade dos livres caminhos. É a história das contrariedades que dá ou retira heroísmo à própria História, que permite ou não que Ela se realize totalmente.
Efectivamente, o estado do mar cavado não permitia a descolagem do aparelho com o seu máximo de combustível, facto este, que condicionava imensamente a distância a percorrer. Para que esta situação fosse minimamente superada houve que encurtar ao máximo a viagem. Assim, o hidroavião seguiu da Ilha de S. Vicente para a da Praia e foi incluída uma escala nos Rochedos de S. Paulo, situados a 400 milhas a nordeste da Fernão de Noronha. Só deste modo a viagem pode prosseguir e os rochedos de S. Paulo atingidos com precisão e à hora prevista pela manhã do dia 19 de Abril.[5]



Porém, ultrapassadas que seriam as adversidades climatéricas, eis que surgiriam as técnicas. Na realidade, e passando a citar a nossa fonte, “Quando o hidro-avião «Luzitânia» descia aos rochedos de S. Paulo, o mar, que estava cavado, avariou o fluctuador. Na previsão de ser impossível fazer a necessaria reparação no mar, segue hoje mesmo para os Rochedos de S. Paulo o cruzador «Carvalho de Araujo», que leva outro hidro-avião do mesmo tipo”.[6]
No entanto, não seria o «Carvalho de Araújo» que transportaria o substituto do «Luzitânia», mas o «Bagé», o qual era aguardado nos Rochedos pelo cruzador «República» e pelos aviadores que lá se encontravam a bordo. Fora a 6 de Maio a chegada do novo aparelho[7] que, devido ao estado do mar, os dois navios tiveram de rumar à Fernão de Noronha para arrear o navio, enquanto o hidroavião regressaria pelos seus próprios meios de novo aos Rochedos, a fim de que os aviadores pudessem prosseguir e concluir a terceira etapa. Contudo, esta tentativa de retomar a viagem seria novamente gorada conforme nos relata a “Secção Telegráfica” da nossa fonte: “O hidro-avião, depois de quatro tentativas sem resultado, devido ao excesso de peso, descolou hontem da Ilha Fernando Noronha, tomando o rumo dos Rochedos de S. Paulo. O cruzador «Republica» seguiu a grande velocidade na mesma direcção.
Às sete da noite foram recebidas notícias de que os aviadores tinham sido recolhidos pelo vapor inglez «Paris City».”[8] Neste sentido, e como complemento ao sucedido o Correio dos Açores refere que “O hidro-avião, depois de ter voado da Ilha Fernando Noronha aos Rochedos de S. Paulo, foi forçado a descer, a meio caminho, entre os rochedos e a Ilha, quando já vinha de regresso a esta, em consequencia d`um desarranjo no motor.[9] Seria, desta feita, o «Carvalho de Araújo», que se iria deslocar à Ilha Fernando de Noronha a fim de transportar um novo aparelho, um Fairey 17[10], para que a travessia do Atlântico Sul se pudesse concretizar. Fora precisamente a 4 de Junho[11], depois de escalar Cabo Verde, que o cruzador concluiria a sua missão: dotar os aviadores de um novo aparelho que os levasse até Pernambuco.
Efectivamente, no dia 5 de Junho “Gago Coutinho e Sacadura Cabral largaram no novo hidro-avião, ás 9 horas da manhã, da Ilha Fernando de Noronha para Pernambuco, onde chegaram num vôo de quatro horas, completando assim a travessia do Atlantico Sul.”[12] O restante percurso, sem contrariedades, passaria por Maceió e Bahia até ao Rio de Janeiro. Eram quinze horas e trinta minutos da tarde do dia 17 de Junho de 1922…[13]

  • Extraído de trabalho de investigação realizado, em 2003,

na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada.


[1] Idem, 1 de Abril de 1922.
[2] Idem, 13 Maio de 1922.
[3] Ibidem.
[4] Correio dos Açores, 7 de Abril de 1922.
[5] Idem, 20 de Abril de 1922.
[6] Idem, 21 de Abril de 1922.
[7] Idem, 9 de Maio de 1922.
[8] Idem, 13 de Maio de 1922.
[9]Idem, 16 de Maio de 1922.
[10]Idem, 20 de Maio de 1922.
[11] Idem, 31 de Maio de 1922.
[12] Idem, 7 de Junho de 1922.
[13] Idem, 20 de Junho de 1922.