quinta-feira, 3 de abril de 2008

"Rei Soldado"














A esquadra sulcando o mar era trazida à vista de Angra pela madrugada de 03 de Março de 1832.
À entrada do ancoradouro, pelas nove e trinta, a “Rainha de Portugal” saudava com vinte e um tiros o içar do pavilhão imperial ao que corresponderam os canhões dos fortes da cidade. Pelos ares chegava a grande parte da população da ilha, que iria acorrer à capital, a notícia da chegada do Imperador.
Os membros da Regência davam as últimas indicações para a recepção a D. Pedro, enquanto o povo da cidade e arredores, aos bandos, afluía e se concentrava na rua central e no cais. As damas enchiam as janelas e varandas ornamentadas e os regimentos colocavam-se no cais e nas ruas até à Sé.
Das autoridades civis e militares que se dirigiam ao cais para prestarem a devida homenagem ao dador da Carta, os membros da Regência, com os seus secretários, foram os últimos a chegar. Esperava-os o bote que os levaria a bordo da “Rainha de Portugal”.
Novamente, uma descarga de vinte e um tiros saudava a chegada da Regência junto à escada da fragata, enquanto o Marquês de Palmela, no alto da mesma, aguardava os seus membros e os conduziria até junto do Imperador a quem seria entregue o governo.
Aí, a cerimónia seria breve. O Marquês de Palmela, Presidente da Regência, começava por ler o seu discurso: “(...) Não podemos sair da presença de V. Majestade sem recomendar muito positivamente os muitos e muito importantes serviços à Rainha, desde 22 de Junho de 1828, por todos os empregados e autoridades militares, diplomáticas e civis que têm tido parte activa na gloriosa luta de que a feliz vinda de V. Majestade assegura o próximo triunfo; e muito especialmente recomendamos os serviços dos bravos que formaram a guarnição da ilha Terceira nas duas memoráveis épocas que terminaram, a primeira no dia 11 de Agosto de 1829 e a segunda com a tomada da ilha de S. Miguel, no 1º de Agosto de 1831.
Senhor, o contentamento que sentimos depositando nas Augustas mãos de V. Majestade Imperial um poder que tanto excedia as nossas débeis forças, redobra, se é possível, pela certa e segura esperança que temos de que, debaixo do Governo e Regência de V. Majestade, em breves dias será destruída a usurpação, restaurado o trono legítimo e consolidadas, e inteiramente desenvolvidas, as instituições políticas ordenadas, ou exigidas, pela Carta Constitucional.(...)”
[1]
Conciso, D. Pedro, agradecia os sentimentos da Regência e realçava o único objectivo dos seus desejos: a restituição do trono à sua filha D. Maria II e aos portugueses a Carta Constitucional. Neste sentido, procedera de imediato à leitura da sua proclamação, a qual devia ser afixada em terra logo que desembarcasse: “ Eu me glorio de tomar uma parte activa convosco no nobre esperança de derrubar a tirania que há perto de 4 anos tem assolado Portugal: de marchar à testa de tão bravos militares com o intento unicamente de livrar a humanidade oprimida, de estabelecer o Império da Lei e de firmar a autoridade e o trono da minha Augusta Filha e Vossa Rainha; a qual educada nos verdadeiros princípios constitucionais, quando vier a governar-vos, não perderá de vista esta máxima que a Carta Constitucional tão inteiramente a deve reger a ela como aos seus súbditos”.
[2]
Por fim, D. Pedro assinava os três decretos que nomeavam os três ministros para o seu ministério: Marquês de Palmela para os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e do Reino; José Xavier Mousinho da Silveira para os Ministérios da Fazenda, Negócios Eclesiásticos e da Justiça; Agostino José Freire para os da Guerra e Marinha.
Assim deixava a fragata “Rainha de Portugal”, com todos os fortes da cidade e navios da esquadra a salvarem no momento em que descia a escada, para tomar lugar no bote que o levaria a terra na companhia da sua comitiva e dos novos ministros.
Ao cais as girândolas subiam e os sinos de todas as igrejas repicavam, enquanto a multidão saudava a chegada com vivas ao Imperador, à Rainha e à Carta Constitucional.
D. Pedro agradecia sorridente subindo a escada onde ao cimo era aguardado pela Câmara. Ao discurso do seu Presidente, Francisco de Lemos e Carvalho, respondia o Duque de Bragança: “ É muito agradável para mim ter de agradecer à Câmara desta cidade as expressões de consideração que me dirige; e ainda mais as provas de fidelidade que tem dado à Minha Augusta Filha.
Fiel aos sentimentos do Meu coração e ao chamamento dos leais povos dos Açores, venho hoje unir-me a eles para restabelecer, com o trono da senhora D. Maria II, o Governo da Carta Constitucional”.
[3]
Terminado o agradecimento, o Imperador dirigia-se à frente do seu séquito, da Câmara, das autoridades militares e civis para a entrada da cidade ornamentada com um arco triunfal e, por entre alas de tropas, vivas e flores, seguia em direcção à Sé. Aí, D. Pedro era recebido pelo Cabido e assistia, nos degraus de acesso à Capela-Mor, a um Te-Deum.
Por fim, o cortejo chegava ao Palácio dos Governadores, local destinado à residência do Imperador. E a noite começava num abundante banquete que reunia os comandantes dos corpos, governadores dos castelos e o Conde de Vila Flor com o seu Estado Maior.
Seriam assim, de jantares e festas, os primeiros dias da chegada de D. Pedro a Angra até se dedicar exclusivamente aos preparativos da expedição...

[1] Francisco D’ Athayde Machado de Faria e Maia; Novas Páginas da História Micaelense: (Subsídios para a História de S. Miguel) 1832-1895, Coingra, 1994, Cap. II, p.45.
[2] Idem, p.46.
[3] Idem, pp. 48-49.

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